COVID-19 e Direitos Digitais: Tópicos para uma Reflexão Crítica
Grande parte dos nossos direitos digitais correm o risco de serem esvaziados pela COVID-19. A pandemia que o mundo atravessa veio levantar novas questões e outras que já não são recentes.
Privacidade & Vigilância
Governos do mundo inteiro estão a chamar até si novos poderes de vigilância massiva com a justificação da possibilidade de contenção da disseminação do vírus. Aparentemente, pode parecer algo de bom. Todavia, muitos desses poderes invadiriam a nossa privacidade de uma forma avassaladora, inibiriam a nossa liberdade de expressão e sobrecarregariam drasticamente os grupos vulneráveis de pessoas.
Na visão da Electronic Frontier Foundation (EFF) há três questões fundamentaisque importa levantar ao analisar estas propostas que forneceriam largos poderes de vigilância aos Governos:
- As propostas funcionariam?
- Intrometer-se-iam excessivamente nas nossas liberdades?
- Existem salvaguardas suficientes?
Pois bem, propostas diferentes levantam questões diferentes. Desde logo, não se demonstrou que essas tecnologias intrusivas funcionam. Por exemplo, a vigilância da localização do smartphone é, manifestamente, insuficiente para identificar se duas pessoas estiveram próximas ao ponto de transmitir o vírus. Aliás, qualquer pessoa pode deixar o aparelho num determinado local e ir dar uma volta com outra.
Algumas propostas de vigilância são muito perigosas para uma sociedade democrática, como as câmeras de vigilância em massa (dragnet) dispersas em locais públicos e que recorrem ao reconhecimento facial ou à imagem térmica, implementando também essas tecnologias em drones ou dando aos Agentes Repressivos do Estado (também conhecidos, em democracia, como Órgãos de Polícia Criminal) acesso a dados de saúde pública sobre onde pessoas testadas positivamente residem.
Tecnologias com dados agregados de localização usados para tomar decisões de saúde pública precisam de um quadro legal rigoroso.
Nenhuma aplicação de rastreamento da COVID-19 funcionará sem que existam testes generalizados e com o seguimento dos contactos interpessoais com base em entrevistas. A proximidade via Bluetooth acaba por ser, no entender da EFF, a abordagem mais promissora até ao momento. Todavia, precisa de rigorosos testes de segurança e minimização do acesso aos dados. Para além disso, ninguém deve ser forçado a usar essa aplicação.
Os programas de vigilância que estão a ser desenvolvidos assentam, frequentemente, em parcerias entre Governos e empresas que têm a tradição (e a compulsão neurótica) de amealhar vastas reservas de dados pessoais dos seus consumidores. São necessárias novas leis para proteger a privacidade dos dados.
Liberdade de Expressão
O fluxo livre de opiniões e de informação sobre a COVID-19 é vital. Isso inclui, por exemplo, denúncias anónimas sobre esforços de contenção de informação ou críticas online às respostas dos Governos à crise.
A narrativa de que só os órgãos oficiais é que são fonte de informação fiável é perigosa.
Os Aparelhos Repressivos dos Estados abusarão, inevitavelmente, de novos poderes para censurar o que consideram falsas informações sobre o vírus.
Quando as plataformas online aumentam a sua dependência da moderação automatizada de conteúdo, em parte porque os moderadores humanos não podem trabalhar em segurança, essas “decisões” de moderação devem ser temporárias, transparentes e facilmente recorríveis.
Fibra para todos e combate ao analfabetismo digital
O distanciamento social está a fazer com que muitas pessoas passem mais tempo online. Mas nem todas têm acesso rápido e com preço competitivo à Internet. Portanto, os agentes políticos e os ISP devem redobrar os esforços para criar uma banda larga melhor e universal.
É, também, necessário um melhor acesso online a livros, por exemplo. Devido ao surgimento de novas ferramentas tecnológicas para possibilitar o trabalho em casa e à distância, os utilizadores da Internet devem aumentar o seu conhecimento. Por exemplo, aprenderem sobre autodefesa em vigilância. Só assim poderão ser tomadas decisões devidamente informadas sobre o uso de certas ferramentas de reunião online, organizar esforços de ajuda mútua online e evitar o corona phishing.
Por muita pena que se possa ter sobre as dificuldades financeiras que muitos artistas estão a passar devido à COVID-19, os filtros automáticos obrigatórios para identificar alegadas violações de direitos de autor não são a resposta.
Nota editorial
A EFF dedica-se a garantir que a tecnologia ofereça liberdade, justiça e inovação para todas as pessoas do mundo. O presente artigo teve como linhas orientadoras a compilação de vários artigos publicados na página da EFF. Todavia, as opiniões aqui expressas, embora alinhadas com a EFF, são da responsabilidade do Autor do presente texto.